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    Ponto de encontro de músicos, Supremo fecha as portas

    Ponto de encontro de músicos, Supremo fecha as portas

    Por Bruno Ondei - iG | 16 de Agosto 2004


    Primeiro bar a adotar o Clube do Uísque, em que o cliente pode comprar uma garrafa e deixá-la no bar, para ir bebericando aos poucos. Pioneiro na utilização das hoje tão comuns mesas na calçada. Celeiro de novos artistas e espaço para músicos consagrados. Epicentro de um dos maiores blocos carnavalescos de São Paulo.

    Todas essas qualidades têm um ponto em comum. Rua Oscar Freire, nº 1000, região tradicionalmente freqüentada pelos chiques e famosos da capital. O Bar Supremo, em atividade há 19 anos, virou um ponto de referência para a boemia paulistana.

    Maria Rita canta no Supremo antes de explodir nas paradas pelo Brasil.

    Entretanto, em setembro deste ano, os clientes vão perder essa referência. O Supremo vai fechar suas portas. A casa foi vendida para o grupo espanhol Custo Barcelona, grife de moda em ascensão que estreou no país no São Paulo Fashion Week deste ano.

    Os donos do bar prometem reabrir em outro lugar. Mas segundo Roberto Suplicy, um dos sócios, a nova localização é segredo de estado. Sua previsão é que a nova casa esteja pronta em até seis meses. Até lá, os fiéis clientes do Supremo ficam órfãos.

    Música no porão
    Roberto não esconde a tristeza de abandonar o seu tradicional ponto. Célebre agitador da cena cultural paulista, o irmão do senador Eduardo Suplicy lembra que o Supremo foi o primeiro botequim dos Jardins. A casa nasceu para ser uma uisqueria e este seria seu nome. A idéia de chamá-la de Supremo veio do pai de um dos sócios, Américo Marques da Costa.

    O Supremo foi aberto em 1985 como bar e restaurante. Uma faixa na porta da casa saudava o novo ponto de encontro, com a frase : Enfim nosso botequim. Para dar um clima carioca ao estabelecimento, os donos colocaram mesas na calçada, do lado de fora do bar. Até então, isso era proibido por lei e o Supremo foi pioneiro na prática que é comum nos bares da Vila Madalena e Pinheiros.

    Desde a inauguração, os donos promovem uma festa todo dia 9 de julho, para comemorar o aniversário da casa. Foi de uma dessas festas que nasceu a idéia que acabaria por celebrizar a casa.

    Suplicy conta que cerca de 300 pessoas foram convidadas para a festa de 1994. As mesas foram afastadas e as pessoas dançavam no apertado espaço em torno do bar. A empolgação dos convidados foi tanta que o piso não agüentou o tranco e trincou.

    Jô Soares é outro famoso que já passou pelo Supremo

    No subsolo do bar existia um porão, com um pé direito baixo, que servia de depósito. Aproveitando que o chão deveria ser consertado, os donos decidiram aumentar o pé direito do porão, com pouco menos de 100 metros quadrados, e construir ali um espaço para shows nos moldes dos clubes de jazz de Nova York.

    A reforma foi feita sem o bar fechar suas portas. Retiramos três caminhões de terra do porão em saquinhos, conta rindo Suplicy. Dez anos após a inauguração, em 1995, nascia o Supremo Musical.

    Celeiro de artistas

    O palco do Supremo recebeu nomes essenciais para a música brasileira, como Johnny Alf, Nana, Dori e Danilo Caymmi, Guinga e João Donato. Além dos medalhões da MPB, artistas novos também tiveram seu espaço e muitos deles conseguiram ali sua primeira oportunidade de mostrar seus talentos. Deste grupo, vale destacar o projeto Artistas Reunidos, formado por Simoninha, Jair Oliveira, Luciana Mello, Pedro Camargo Mariano e Max de Castro, o violinista Yamandu Costa e a sensação Maria Rita.

    Sobre Maria Rita, Suplicy lembra que já na segunda apresentação a casa tinha ficado pequena. Com apenas 80 lugares - apesar de o dono confessar que já conseguiu colocar 92 pessoas na frente do palco - o espaço não foi suficiente para suprir a curiosidade das pessoas para ver a estréia da filha de Elis Regina. Até eu estava ansioso para vê-la cantar, diz Suplicy.

    Maria Rita foi procurada pela reportagem para comentar sua passagem pelo Supremo, mas não quis dar entrevista por estar de licença maternidade. A cantora deu à luz Antônio no último dia 2 de julho, filho do diretor Marcos Vinícius.

    A cidade perde muito com o fechamento do Supremo, diz Roberto Brusadim, empresário da Banda Mantiqueira, que também fez história no pequeno palco da casa. Se o espaço é apertado quando se tem apenas uma banda comum sobre o palco, para a Mantiqueira a coisa é ainda mais complicada. O grupo é formado por 14 integrantes.

    Suplicy conta que nos shows da Mantiqueira, a primeira fileira de mesas, à frente da ribalta, tinha que ser retirada para que o grupo pudesse tocar. A banda foi a que mais tocou no Supremo. Brusadim explica que a história da Mantiqueira com o bar começou ainda antes da inauguração oficial da casa, que ficou a cargo do pianista cubano Gonzalo Rubalcaba.

    A partir do primeiro show, a banda não parou mais, com apresentações disputadas todas as terças-feiras. Está rolando a maior tristeza entre o pessoal da banda, afirma o empresário. Segundo ele, a Mantiqueira deve tocar na festa de encerramento da casa, como uma despedida.

    A apresentadora Marília Gabriela já foi cliente do bar

    Platéia de amigos
    Outro grupo que deve muito ao Supremo Musical é o veterano Zimbo Trio. Formado em 1964, o trio esteve meio sumido dos palcos até encontrar um lugar no Supremo.

    O cuidado com a qualidade do som é grande unanimidade entre os artistas e freqüentadores. Quem vai à casa assistir a um show está realmente interessado em ouvir a música. Quando começam as apresentações, você não ouve nenhum ruído no público, conta Brusadim.

    Suplicy explica que o espaço para os shows foi construído com um sofisticado tratamento acústico. Lentes especiais preenchem as paredes para equilibrar o som que sai dos instrumentos. Tanto cuidado gerou bons frutos.

    Dori Caymmi, que raramente faz shows, tocou aqui para ter contato com os amigos de São Paulo, lembra Suplicy. Segundo ele, a platéia ficou lotada com 80 amigos do compositor.

    Gueri-Gueri
    Além do Supremo, o Nº 1000 da Oscar Freire destacou-se por ser o ponto de encontro do bloco de carnaval Gueri-Gueri, fundado em 1986 por Suplicy e um grupo de amigos. Chega a ser contraditório que a cabeça por trás de um bar que destaca uma música considerada elitizada seja a mesma que trouxe à vida uma celebração da mais popular das festas brasileiras.

    Segundo Suplicy, o Gueri-Gueri começou meio que por brincadeira. Junto com cerca de 50 amigos, o dono do Supremo saiu pela região da Oscar Freire no sábado de carnaval com um carro utilitário com a caçamba recheada de uísque e champanhe. A trilha sonora, por conta de alguns ritimistas da escola de samba Vai-Vai, era o pagode Gueri-Gueri, de autoria desconhecida, que se tornou nome e hino do bloco.

    Demos a volta pelo bairro e quando voltamos ao ponto inicial havia mais de 500 pessoas nos seguindo e dançando, lembra. A partir daí o Gueri-Gueri atingiu proporções gigantescas.

    Hoje, o ponto de encontro do bloco é o Parque do Ibirapuera. No último carnaval, cerca de 30 mil pessoas acompanharam a festa de Suplicy. O uísque e o champanhe, é claro, foram trocados pela tradicional cerveja.

    Órfãos
    Os clientes do bar estão desconsolados. Numa breve visita à casa numa terça-feira à tarde já se podia encontrar alguns deles bastante chorosos. O empresário Oswaldo Dale era um deles. Tenho grandes lembranças deste lugar, como as namoradas, as paqueras e o uísque com os amigos, afirma.

    Otávio Mesquita também foi cliente ilustre

    Dale, sentado sozinho na mesa, diz que esperava alguns amigos para já começar a se despedir. O Supremo é uma referência em estilo de bar. Já estou sentindo saudades, diz.

    O cantor e violinista Sérgio Augusto engrossa o coro da saudade. Após os usuais elogios sobre a qualidade do palco da casa, ele diz que o bar não vai morrer nunca. É um nome muito tradicional.

    Trabalhando no Supremo desde sua inauguração, o barman Anísio Rocha tem motivos extras para ter carinho pelo lugar. Foi lá que ele conheceu sua mulher, que trabalhava no caixa. Com ela, Rocha teve três filhos. A mulher não trabalha mais lá. Como ele diz, ela fica em casa cuidando dos babys. Espero que o novo bar abra logo, torce.

    Coração apertado

    Suplicy está empolgado com a abertura da nova casa, apesar da tristeza de deixar uma rotina que ele cumpre há 19 anos. Praticamente todos os dias da semana o dono está no Supremo. Nós sempre apresentamos o melhor da música brasileira e vamos manter isso no novo bar. Teremos um lugar melhor e mais adequado para receber os clientes, diz.

    Mas ele não esconde que o coração anda apertado com a mudança de endereço. Dá uma tristeza porque o lugar aqui tem muitas histórias, entre brigas, casamentos e namoros. É complicado deixar.

    Ele espera que o público, que sempre foi fiel, o acompanhe para onde for. Nós vamos poder acolher shows maiores. O bar continua, conclui.

     

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